O paredão que circunda a Paróquia São Paulo da Cruz, mais conhecida como Igreja do Calvário, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, tem um significado muito especial para o artista Eduardo Kobra.

Há décadas ele pinta suas obras nesse espaço, de modo que seus trabalhos já fazem parte da própria identidade do local. No início, ainda em seus tempos de pichador, Kobra atuava ali na clandestinidade. Com o tempo, passou a obter permissão da administração da igreja para fazer murais no endereço.

No início de 2023, o artista decidiu conceber para o local uma obra de arte que também resultasse em ação social. Kobra idealizou um mural que passasse a mensagem de solidariedade por meio do gesto de dar a comida a quem mais precisa.

A iniciativa foi muito bem recebida pela Igreja do Calvário. A Campanha da Fraternidade de 2023, aliás, abordou justamente a questão da fome — de forma que o trabalho de Kobra dialogou perfeitamente com a mensagem social buscada e divulgada pelos frequentadores da paróquia no período.

Mas um trabalho com essa dimensão só teria sentido se acompanhado por uma ação concreta. E, para viabilizar isso, o Instituto Kobra buscou duas organizações não governamentais parceiras.

Um grupo de beneficiados por essas entidades terá um verdadeiro almoço de Páscoa, ressignificando a Santa Ceia de Jesus com seus apóstolos — se eram 12 os convivas daquela ocasião, serão 120 os que serão servidos, no próximo domingo, nas dependências do salão de eventos da paróquia. Os pratos serão preparados sob os cuidados do renomado chef Henrique Fogaça.

Um dos mais reconhecidos e respeitados muralistas da atualidade, o artista brasileiro Eduardo Kobra sempre teve uma particular sensibilidade para o social — em grande parte por conta de sua própria origem, nascido e criado na periferia da cidade de São Paulo.

Desde 2021, as inúmeras ações de impacto social desenvolvidas, concebidas e realizadas por Kobra e sua equipe têm a chancela de um organismo criado justamente para isso, o Instituto Kobra (IK). Trata-se de uma entidade que acredita na arte como instrumento de transformação social, sobretudo daqueles em estado de vulnerabilidade.

Fundado e presidido por Kobra, o Instituto Kobra parte da própria biografia do artista para fundamentar a importância e o papel da cultura como agente transformador de vidas e realidades.

São vários os focos de atuação do instituto. Um deles é a promoção de ações que levem manifestações artísticas aos que costumam ter menos acesso a museus e centros culturais.

Outra missão do IK, também compatível com os valores defendidos por Kobra, é funcionar como um espaço para promoção de causas por meio da arte — especialmente aquelas que fazem parte dos princípios pessoais do artista. Exemplos nesse sentido são a defesa do meio ambiente, o discurso pacifista, a pauta antirracista, o respeito entre os povos. Nesse âmbito também estão incluídas ações pontuais de assistência a grupos desfavorecidos, como vítimas da insegurança alimentar ou pessoas em situação de rua.

O terceiro eixo do Instituto não se resume a ações e projetos, mas sim compreende atividades que devem ocorrer de forma constante e ininterrupta: a promoção da cultura, com palestras, oficinas e realização de pinturas públicas em comunidades específicas — e no próprio espaço-sede do instituto, a ser inaugurado nos próximos anos.

Além do próprio Eduardo Kobra, a instituição pretende viabilizar a presença de outros muralistas e grafiteiros, brasileiros e estrangeiros, que, por meio de intercâmbios culturais, irão levar sua arte, seu conhecimento e suas histórias de vida a crianças, jovens ou qualquer cidadão que goste de arte e queira viver esse tipo de experiência.

A sensibilidade do muralista para o engajamento social vem do berço. Hoje um dos mais conhecidos artistas brasileiros de todo o planeta, com obras em cinco continentes, Eduardo Kobra nasceu em 1975 no Jardim Martinica, bairro pobre da zona sul paulistana. Da mesma maneira como a arte mudou sua vida, ele acredita que a cultura em geral pode ser uma ferramenta de transformação social para muitos jovens brasileiros.

Para viabilizar esses projetos, o Instituto Kobra está aberto a firmar parcerias com empresas e outras entidades que compartilhem dos mesmos ideais e queiram promover ações culturais deste tipo, sempre baseadas na premissa de que a arte é uma ferramenta de transformação social.

Ao longo de seus mais de 30 anos de carreira, Eduardo Kobra construiu uma reputação de confiança, respeito e credibilidade, principalmente por conta da idoneidade com que procura agir. Tal marca ele empresta e imprime ao Instituto Kobra — e esta é a melhor explicação para resumir a maneira com que o sonho do artista vem sendo sonhado junto com tantos parceiros, apoiadores, amigos e colaboradores desde que a instituição foi criada.

Tanto que já é realidade o espaço que deve funcionar como sede do IK: um galpão de mil metros quadrados em um terreno que conta ainda com 3 mil metros quadrados de espaço aberto, na cidade de Itu, interior paulista.

O espaço foi cedido pela prefeitura de Itu. Desde que o instituto foi criado, várias empresas e municípios procuraram a equipe de Kobra oferecendo locais. Itu foi escolhida pelas condições do espaço disponibilizado, pela localização privilegiada — a menos de 100 quilômetros da capital paulista — e por razões afetivas, já que desde 2020 o artista reside no município.

Atualmente em fase de projeto arquitetônico, a sede do IK deve oferecer uma ampla e abrangente programação ao público. Pelo cronograma, a obra será executada em 2024 e, no ano seguinte, o instituto abrirá suas portas.

A inspiração foi buscada no museu a céu aberto Wynwood Walls, capital da street art em Miami, nos Estados Unidos. Nesse sentido, o IK pretende envolver artistas e grafiteiros de todas as partes do mundo, com destaque para talentos brasileiros.

O coração do IK será o ateliê do artista Eduardo Kobra. A ideia é que esse ambiente criativo fique aberto para visitação pública, inclusive a grupos de alunos de escolas, mediante agendamento. Será uma oportunidade para que todos possam acompanhar o nascimento de grandes obras de arte. E, ao mesmo tempo, Kobra também vislumbra um saudável intercâmbio com o público.

A programação do IK ainda está sendo planejada. O espaço deve funcionar como um ativo e efervescente centro cultural, oferecendo à comunidade atividades como workshops, espetáculos de dança, peças teatrais, shows musicais e, claro, muita pintura. Não está descartada a possibilidade de que o Instituto Kobra também ofereça cursos de formação, em um futuro próximo.

A equipe do IK já está trabalhando para a captação de recursos, necessário para que este sonho se concretize.

Em 2019, Eduardo Kobra concebeu um projeto que é tratado como a experiência embrionária do Instituto Kobra: a Galeria Circular. Na ocasião, um ônibus adaptado percorreu 12 bairros da região metropolitana de São Paulo, apresentando 14 obras de Kobra que estiveram ou ainda estão expostas em diversos locais pelo mundo. O próprio artista participou do projeto e interagiu com o público. No total, 20 mil pessoas foram impactadas diretamente pela iniciativa.

Dois anos depois, a primeira ação do IK foi lançada em um dos momentos mais críticos e sensíveis da história do Brasil: o combate à pandemia de covid-19. Comovido com o altíssimo número de mortes em decorrência do vírus e preocupado com o fato de que havia escassez de oxigênio hospitalar para atender aos doentes em estado mais grave, Kobra colocou sua criatividade a serviço do bem-comum: transformou um cilindro inutilizado em uma obra de arte.

‘Respirar’ foi uma obra que alertou, ao mesmo tempo, para o problema sanitário e também para a questão ambiental da Amazônia — simbolicamente chamada de “pulmão do mundo” e que, de modo especial nesse período, também passava por uma crise grave, com escalada das queimadas florestais e afrouxamento na fiscalização.

A peça acabou comprada por um grupo de empresários por R$ 700 mil e todo o valor foi revertido para a construção de duas usinas de produção de oxigênio hospitalar para a região norte do país — naquele momento, o epicentro de covid-19 no mundo.

Outra ação do IK ocorreu no Natal de 2021. Com a ajuda de especialistas no combate ao trabalho infantil, Kobra mapeou aterros sanitários de São Paulo onde menores de idade tiravam seu ganha-pão. O artista então concebeu uma árvore de Natal para ser instalada em um desses locais, na periferia de São Paulo. Houve mobilização nas redes sociais e o IK adquiriu brinquedos para as crianças e adolescentes dali.

Esses são apenas alguns exemplos de ações já realizadas. Servem como norte, motivação e inspiração: porque muitas outras já estão sendo preparadas pelo IK.